Brasília – Em mais um capítulo da disputa com a Vale, o governo cobra da mineradora uma dívida de quase R$ 4 bilhões de royalties pela exploração de minério de ferro.
A cobrança gerou mais um atrito na relação da empresa com o governo na semana passada, contornado após conversa por telefone entre o presidente da Vale, Roger Agnelli, e o ministro Edison Lobão (Minas e Energia).
Os dois devem se encontrar nesta semana, em Brasília, para buscar um acordo sobre a cobrança dos royalties do setor – a CFEM (Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais).
Segundo a Folha apurou, o DNPM (Departamento Nacional de Produção Mineral), responsável pela fiscalização da cobrança de royalties, cobra uma dívida de R$ 900 milhões pela exploração de minério no Pará e cerca de R$ 3 bilhões pela mineração em Minas Gerais.
A Vale não concorda com o valor e diz que sua dívida, se procedente, não passa da metade desse montante, disse à Folha um técnico envolvido nas negociações. Na semana passada, procurada, a empresa não quis se manifestar oficialmente sobre o assunto.
Ameaça a Carajás
A cobrança criou um curto-circuito dentro do DNPM, que levou Agnelli a recorrer às pressas a Lobão para cassar uma decisão que poderia fazer a mineradora perder seus direitos sobre a exploração da mina de Carajás (PA).
No dia 25 de fevereiro, a superintendência do órgão no Pará abriu processo para cassar a concessão da Vale na mina de Carajás depois de aplicar três multas na empresa num intervalo de um ano.
Motivo: divergências na base de cálculo usada pela mineradora para recolher os royalties. Depois da interferência de Agnelli diretamente em Brasília, a direção nacional do DNPM decidiu revogar, no dia 1º deste mês, a abertura do processo diante da avaliação de que o superintendente no Pará não tinha autonomia para a iniciativa.
A cobrança dos royalties, porém, segue em frente e conta com o apoio do Palácio do Planalto, que, desde o governo Lula, trava uma disputa com Agnelli por mais investimentos da mineradora no país e reclama do baixo valor de pagamento de royalties na mineração.
Um técnico do governo destaca que a dívida cobrada da Vale, em torno de R$ 4 bilhões, é quase quatro vezes a arrecadação anual dos royalties de mineração no país – que atingiram o recorde de R$ 1,083 bilhão em 2010.
E representa cerca de 13% do lucro da mineradora no ano passado, que foi de R$ 30,1 bilhões.
DNPM vê irregularidade na base de cálculo de royalties
Segundo DNPM, Vale faz descontos indevidos no ICMS, PIS e CofinsO DNPM (Departamento Nacional de Produção Mineral) acusa a Vale de fazer descontos irregulares na base de cálculo dos royalties de mineração e tributar suas exportações por um preço abaixo do valor final.
Esses foram os motivos das três multas aplicadas à Vale, no intervalo de um ano, pela superintendência do órgão, levando à abertura de processo de caducidade (revogação da concessão) da exploração de minério na mina de Carajás.
Aberto pelo superintendente Every Tomaz de Aquino, o processo foi revogado pelo diretor-geral Miguel Nery, mas a cobrança da dívida está mantida.
Intermediação
Segundo relatório da Procuradoria-Geral no Pará, a Vale “recorre à intermediação de suas empresas vinculadas e controladas, sediadas em paraísos fiscais”, para reduzir a base de cálculo dos royalties cobrados em suas exportações.
O órgão diz que a empresa vende às suas controladas Vale International e Vale Overseas, nas ilhas Cayman e na Suíça, o minério a um preço abaixo do que é exportado efetivamente para o mercado europeu e asiático.
A Folha apurou que a mineradora faz a operação amparada em entendimento da Receita Federal, que aceita um “preço de transferência” até 15% menor do que o valor final da exportação.
O DNPM contesta essa avaliação, argumentando que a Receita tem esse entendimento na cobrança de tributos, o que não se encaixaria na CFEM, o royalty da mineração, classificado pelo órgão como um “preço público”, e não tributo.
Irregularidades
O órgão aponta ainda irregularidades da Vale no desconto, na base de cálculo da CFEM, de despesas de transporte do minério até o porto. A empresa estaria descontando até gastos com planos de saúde de motoristas, o que não é permitido.
A Vale estaria também fazendo descontos indevidos na base de cálculo de tributos como ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), PIS (Programa de Integração Social) e Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social) incidentes sobre as vendas, mas cujos pagamentos não teriam sido comprovados.
Segundo o DNPM, as dívidas apuradas pela fiscalização do órgão fizeram com que a empresa fosse inscrita, há cerca de seis meses, no Cadin – cadastro informativo de créditos não quitados do setor público federal.
Lula quis cabeça de Roger Agnelli
Presidente da Vale por indicação do Bradesco, acionista da mineradora, Roger Agnelli quase perdeu o cargo no governo Lula. Evitou a queda depois de acertar um plano de investimentos em siderúrgicas no país.
Agora, com Dilma Rousseff no Planalto, voltaram as especulações de que ele pode deixar a empresa, onde está há mais de dez anos.
Atualmente, um dos nomes citados para suceder Agnelli é o de Rossano Maranhão, ex-presidente do Banco do Brasil, hoje no Grupo Safra e que recusou a Secretaria de Aviação Civil.
Seu perfil é considerado ideal para a Vale, segundo assessores de Dilma. Testado no comando do Banco do Brasil, Maranhão tem bom trânsito no mundo político. Além dele, outro citado é Otávio Azevedo, presidente da Andrade Gutierrez.
O ex-presidente Lula sempre questionou a Vale por exportar minério de ferro enquanto o país, por exemplo, tem de importar trilhos para ferrovias, entre outros produtos fabricados a partir do produto básico exportado.
Lula costumava dizer que a Vale precisava pensar um pouco mais no país, e não só nos seus lucros. Dilma compartilha da mesma posição do ex-presidente e espera, segundo assessores, que Agnelli aumente os investimentos em unidades para beneficiar o minério de ferro no país.
O governo exerce pressão na mineradora por meio da BNDESpar e fundos de pensão de estatais (como Banco do Brasil, Caixa e Petrobras), acionistas que integram o grupo de controle acionário.
Leia a matéria na própria Folha de S. Paulo.
Por Valdo Cruz e Letícia Sander